O governo Lula tem gerado discussões acaloradas após a aprovação do Projeto de Lei 1.847/24, que autoriza o uso de dinheiro “esquecido” em contas bancárias, consórcios e outras instituições financeiras que não foram movimentados por mais de 25 anos. O governo alega que esses recursos, estimados em R$ 8,6 bilhões, são necessários para ajudar a compensar a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e cobrir o déficit fiscal. No entanto, críticos do projeto afirmam que a medida se aproxima de um confisco, lembrando o episódio do governo Collor, quando poupanças dos brasileiros foram bloqueadas em 1990.
A legislação que permite essa apropriação existe desde 1954, mas a sua aplicação em tempos atuais tem levantado questões sobre ética e transparência. O governo afirma que os titulares ou herdeiros desses valores poderão resgatar o dinheiro por meio do Sistema de Valores a Receber (SVR), plataforma do Banco Central. Mesmo assim, a controvérsia continua, com economistas e advogados questionando se é apropriado que o Estado se aproprie desses recursos para resolver problemas fiscais.
Opinião de especialistas: confisco ou solução temporária?
Economistas como Roberto Dumas são categóricos ao afirmar que o uso de recursos esquecidos em contas bancárias é uma medida ética e economicamente questionável. “O governo está se apropriando de recursos privados para solucionar uma questão fiscal, o que afeta diretamente a confiança da população no sistema bancário”, disse Dumas. O advogado Fernando Facury Scaff, especialista em direito financeiro, também condena a medida, alertando que o governo está ultrapassando um limite perigoso ao interferir em bens privados, mesmo que estejam parados. “Essa prática cria uma insegurança jurídica e pode abrir precedentes para futuras intervenções em contas e bens privados sem o consentimento dos proprietários”, afirmou Scaff.
Comparação com o confisco de Collor
O confisco realizado pelo governo Collor, em 1990, permanece como uma lembrança amarga na história econômica do Brasil. Na época, o objetivo era controlar a hiperinflação, mas a medida resultou no bloqueio de bilhões de reais das contas bancárias dos brasileiros, gerando uma crise de confiança no sistema bancário. Embora a proposta do governo Lula seja diferente, já que não bloqueia contas ativas, o fato de o governo se apropriar de recursos privados para tapar o rombo fiscal levanta comparações inevitáveis. Especialistas alertam que, mesmo com a possibilidade de resgate, o princípio de intervenção estatal sobre valores privados pode minar a confiança dos cidadãos no sistema financeiro.
Análise crítica: limites da intervenção estatal e implicações éticas
O uso de valores esquecidos para ajustar as contas públicas é uma prática que levanta importantes questões éticas e econômicas. Embora o governo siga a legislação vigente, a percepção pública é de que se trata de uma apropriação indevida de recursos que pertencem a cidadãos e empresas. Mesmo que os valores possam ser recuperados pelos seus legítimos donos, a decisão do governo de apropriar-se desses recursos sem consulta direta cria um precedente perigoso.
Essa prática não apenas impacta a confiança da população no governo e no sistema bancário, mas também sugere uma abordagem paliativa para a gestão das finanças públicas. Em vez de recorrer a medidas temporárias, o governo deveria adotar soluções mais sustentáveis, como cortes de gastos e reformas fiscais que visem ao crescimento econômico de longo prazo. O risco, a longo prazo, é que medidas como essa causem danos irreparáveis à credibilidade do governo e ao equilíbrio econômico do país.