No ano de 2023, os 10% da população brasileira com maiores rendimentos domiciliares per capita obtiveram uma renda que era 14,4 vezes superior à dos 40% da população com menores rendimentos. Esta disparidade, a menor já documentada no Brasil, foi revelada por uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada nesta sexta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O estudo evidenciou que os 10% da população com maior rendimento domiciliar por pessoa alcançaram, no ano anterior, uma média de renda mensal de R$ 7.580. Enquanto isso, os 40% dos brasileiros com menor rendimento obtiveram R$ 527. Ambos os valores representam os patamares mais altos já registrados para cada faixa de renda.
Em uma comparação mais extrema, o 1% da população com maior rendimento tinha uma renda mensal de R$ 20.664, o que era 39,2 vezes maior que a dos 40% com menor renda. Em 2019, essa diferença era ainda maior, atingindo 48,9 vezes – o máximo já registrado.
Redução da desigualdade
A diferença de 14,4 vezes entre os 10% com maiores rendas e os 40% com menores é a mesma observada em 2022. Em 2019, antes da pandemia de covid-19, essa relação estava em 16,9 vezes. O ápice da desigualdade, com uma diferença de 17 vezes, foi alcançado em 2021, durante o auge da pandemia.
A série histórica do IBGE, iniciada em 2012, mostrava uma relação de 16,3 vezes naquele ano. Desde então, os menores rendimentos cresceram em proporções superiores aos do topo da pirâmide. Por exemplo, os 5% com menores rendimentos tiveram um aumento de 46,5%, enquanto aqueles entre os 5% e 10% com menores rendimentos cresceram 29,5%. Por outro lado, a faixa dos 10% com maiores rendimentos cresceu apenas 8,9%.
Em um período mais curto, também é possível notar uma diminuição da diferença. Entre 2019 e 2023, enquanto os 40% da população com menores rendimentos tiveram um aumento de 19,2% em seus rendimentos, os 10% com maiores rendimentos tiveram um aumento de apenas 1,51%.
Entre 2022 e 2023, enquanto o rendimento médio domiciliar por pessoa cresceu 11,5%, o segmento dos 5% mais pobres registrou um aumento de 38,5%.
Fatores
Gustavo Geaquinto, analista da pesquisa, identifica três fatores que podem explicar o crescimento mais acentuado da renda dos grupos mais pobres da população. Um deles está relacionado aos programas sociais, especialmente o Bolsa Família, que aumentou para R$ 600, com acréscimo de R$ 150 por criança de até 6 anos e um adicional de R$ 50 por criança ou adolescente (de 7 a 18 anos) e por gestante.
Outra explicação é a expansão do mercado de trabalho, que viu a entrada de 4 milhões de pessoas no número de ocupados. “Pessoas que anteriormente não tinham rendimento do trabalho agora passaram a ter”.
O pesquisador também destaca o aumento do salário mínimo acima da inflação, afetando não apenas o rendimento do trabalho, mas também a renda de aposentadorias e pensões, além de outros programas sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – um salário mínimo por mês para idosos com idade igual ou superior a 65 anos ou pessoas com deficiência de qualquer idade.
Em 2023, o salário mínimo teve dois reajustes e, em maio, foi aumentado para R$ 1.320.
A pesquisa do IBGE considera como rendimento todo o dinheiro obtido por meio de trabalho (para pessoas com 14 anos ou mais), aposentadoria, pensão, aluguel, pensão alimentícia, doações e mesadas de pessoas que não residem no domicílio, além de outras fontes como rentabilidade de aplicações financeiras, bolsas de estudo e programas sociais do governo, como Bolsa Família/Auxílio Brasil, seguro-desemprego e BPC. Uma outra forma de visualizar a desigualdade no país é analisar a distribuição da massa de rendimentos para cada segmento da população. Em 2023, essa massa atingiu seu maior valor já registrado, alcançando R$ 398,3 bilhões, um aumento de 12,2% em relação a 2022, quando foi de R$ 355 bilhões.
A parcela da população brasileira composta pelos 10% com os menores rendimentos respondia por apenas 1,1% dessa massa. Ou seja, de cada R$ 100 de rendimento do país, R$ 1,1 era recebido pelos 10% com menor renda.
Enquanto isso, os 10% dos brasileiros no topo da pirâmide recebiam 41% da massa de rendimentos. Em outras palavras, de cada R$ 100, R$ 41 foram recebidos pelos 10% com maior renda. Para se ter uma ideia da concentração, os 80% dos brasileiros com menor renda detinham 43,3% da massa nacional.
Entre 2022 e 2023, a desigualdade entre o topo e a base da pirâmide aumentou ligeiramente. A participação dos mais ricos passou de 40,7% para 41% da massa, enquanto para os mais pobres houve um aumento de 1% para 1,1%. Comparando antes e depois da pandemia, houve uma redução na desigualdade. A participação dos mais ricos caiu de 42,8% (uma diminuição de 1,8 ponto percentual), enquanto a dos mais pobres subiu de 0,8% (um aumento de 0,3 ponto percentual).
Índice de Gini
A pesquisa do IBGE também revela o comportamento do Índice de Gini, uma medida que avalia a concentração de renda da população, variando de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade.
O índice de 2023 ficou em 0,518, o mesmo valor de 2022 e o menor já registrado desde o início da série histórica em 2012. O ponto mais desigual foi em 2018, quando atingiu 0,545.
Gustavo Geaquinto explica que se a análise fosse apenas com o rendimento proveniente do trabalho, haveria uma pequena variação positiva no Índice de Gini, ou seja, um aumento da desigualdade. No entanto, esse movimento foi compensado pelos efeitos dos programas sociais.
“Este efeito, especialmente do Bolsa Família, contrabalançou isso, beneficiando principalmente os domicílios de menor renda, mantendo a estabilidade deste indicador”, afirma.